terça-feira, 27 de outubro de 2009

O Albatroz Errante

Lá em cima no céu
Fugido de casa
Abandonou o seu ilhéu
Ao capricho da asa

Voa que voa o albatroz
De onda em onda cavada
Em algazarra de cantoria atroz
Que ecoa na água salgada

Onde destino navegante
É coisa que se estende sem fim
A canção desse albatroz errante
Embala-se no vento assim:

“O sal
Não me faz mal
E nem com o frio
Me arrepio
E o voar
Esqueço-o no planar
Respirando o som
Do mar
Como fosse um dom
O ar
Que me engrandece
As penas
E arrefece
Às centenas
Chorando a saudade
Do lar
Sem ter idade
Para chorar
Tudo
O que é atroz
No bico mudo
Do albatroz”

E assim o errante vagueia
Entregue apenas à vontade
De colher o que semeia
E cumprir tamanha idade

De asas com pontas esquecidas
Na distância de penas molhadas
Em cada uma das suas descidas
Que mergulha nas águas geladas

Mas sempre regressa às alturas
Sem querer saber de tremuras
Nem de nada que lhe gele o coração
Para continuar a sua canção

“O calor
Não me faz favor
Nem cá eu
Quero o que é seu
Que o que eu sinto
É o mar
E se com isto minto
É porque gosto de voar
Sempre para o lá
Esquecendo-me do cá
Que só recordo
No regresso
Quando acordo
Do meu ingresso
De vida no mar
De vida no ar
Meia descida
Meia subida
Uma vida na asa
Perto do mundo
No alto e no fundo
Ambos longe de casa”

É assim que ave se vai
Fazendo das rimas o caminho
Que deixou longe o ninho
Onde foi ovo, mãe e pai

Ideias que não sabe definir
Saem-lhe do bico no cantar
E mesmo sem chorar nem rir
Faz conversa com o mar

Ainda que o ar
Lhe sirva de casa
O gosto do canto
Rivaliza com a asa

“Voar
É vida
De amor
E de mar
É descida
É dor…”

Em rima inacabada
A ave foi derrubada
Por ferida que vai matar
Asas crescidas para voar

Ferida que não sara
Ou veneno que é mortal
Vai fazendo da ave rara
Inocente vítima terminal

Já não voa o albatroz
Impedido de voar jamais
Morrendo na sua dor atroz
De não poisar em novo cais

Autor: Manuel Alves